Justa causa por recusa em tomar vacina

Havendo disponibilização da vacina para Covid-19, seja via órgãos públicos, seja por intermédio da disponibilização privada pelo empregador (e, portanto, sem custo ao empregado), pode este se reusar a ser vacinado?

E se o empregado se recusar a tomar vacina, pode ele ser dispensado pelo empregador por justa causa? Tal hipótese de justa causa por recusa em se vacinar encontra respaldo na CLT? Qual a orientação da jurisprudência sobre o tema? O que pensam os Tribunais acerca da recusa do trabalhador em se vacinar?

Por mais que o direito à vida e à saúde sejam direitos constitucionais insculpidos como basilares, se faz necessário abordar o referido tema tendo em vista o negacionismo por parte da população quanto a questão.

A temática ainda é muito nova no Brasil, mas sendo uma advocacia especializada em Direito do Trabalho, é possível antever desde logo alguns dos posicionamentos que serão adotados sobre a recusa do empregado em tomar vacina.

Isto porque em recente decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar o art. 3º inciso III, alínea ‘d’, da lei 13.979/2020, o STF entendeu que é constitucional e, portanto, válido, a compulsoriedade do plano de vacinação. Decerto que o fato de ser válida a vacinação compulsória não quer dizer necessariamente que o Estado obrigará todos a tomar vacinas à força, contra suas respectivas vontades. Todavia, por outro lado, é também certo que aqueles que se negarem em receber a vacina terão de arcar com as consequências de tal ato.

Analisemos sob a seguinte ótica: ninguém pode ser obrigado a tratar câncer, por exemplo, pois a decisão de não se tratar não afeta diretamente direito de terceiros. Ninguém será prejudicado por alguém não tratar câncer, apenas a pessoa que está doente é que sofrerá as consequências, mas igual raciocínio não ocorre ao tratarmos de doenças infectocontagiosas, que podem disseminar vírus e provocar mortes, além de prejudicar duramente a atividade do empregador, por exemplo.

Diante de tal cenário se faz necessário refletir: quais as implicações trabalhistas dos trabalhadores que, injustificadamente, se negarem em a receber a vacina?

Segundo o nosso entendimento aqui esposado, o direito à vida e a saúde coletiva se sobrepõem a qualquer direito de personalidade.

Logo, embora exista um conflito de direitos fundamentais, pois, de um lado, é inegável que existe o direito à individualidade, o direito de autodeterminação que consiste na livre vontade das pessoas em guiarem suas vidas em acordo com suas próprias convicções morais, filosóficas ou religiosas; por outro lado, tais direitos não se sobrepõem ao direito da coletividade, em especial os direitos à vida e à saúde, de forma que está correta a interpretação do STF sobre a compulsoriedade da vacina.

Os que conhecem a lei sabem que os direitos fundamentais dos cidadãos e os direitos sociais dos trabalhadores estão assegurados nos artigos 5º e 7º da Constituição Federal de 1988. Tais artigos, aliás, são considerados cláusulas pétreas e, portanto, imutáveis, não podendo ser alterados nem mesmo via emenda constitucional.

É importante relembrarmos, porém, que o Supremo também já decidiu que direitos e garantias fundamentais não são apenas aqueles que constam nos respectivos artigos 5º e 7º da Lei Maior, abrindo a possibilidade de que outros direitos previstos também sejam considerados como cláusula pétrea, tamanha sua importância não apenas para a sociedade que somos, mas, sobretudo, para a sociedade que queremos ser e, bem por isto, é que o art. 225 da Constituição Federal que consagra o ‘meio ambiente saudável como obrigação de todos’, inclusive do trabalhador, por ser beneficiário direto.

Logo, embora o direito ao ambiente saudável não esteja insculpido nos artigos 5º e 7º da Carta da República, este também deve ser considerado como direito fundamental, tendo em vista que é a premissa básica para se ter um trabalho digno. Assim, deve esta obrigação do empregador ser analisada como direito fundamental do trabalhador.

Ademais, tal título dos direitos fundamentais é tão sensível e importante que o legislador que, conquanto tenha atribuído tal responsabilidade e obrigação ao empregador, também garantiu ao trabalhador a responsabilidade, via obrigação, em colaborar com as medidas de segurança e saúde para um ambiente saudável, como bem se extrai do parágrafo único do artigo 158 da CLT.

A colaboração mencionada no inciso II do art. 158 da CLT, na verdade, trata-se de uma obrigação. Bem por isso, se o empregador solicitar que o trabalhador demonstre ter atendido às demandas de prevenção a disseminação da doença, via campanha de vacinação nacional/estadual, e não o faz, deixa colaborar com o meio ambiente seguro, colocando em risco não apenas a si próprio, mas também aos demais trabalhadores, o que, sem uma justificativa plausível e técnica, é inadmissível.

Diante de tais premissas é cristalino que aquele trabalhador que se recursar injustificadamente em receber a vacina está agindo de forma faltosa, caracterizando, de imediato, ato incontinência de conduta, criando condição para aplicação da justa causa, se preenchidos os demais requisitos legais, quais sejam, imediatidade, proporcionalidade, non bis in idem e não discriminação.

Outrossim, considerando o estado de pandemia, bem como que os reflexos da negativa do trabalhador em não receber a vacina transcendem o indivíduo colocando uma coletividade em risco, não há que se falar em gradação das penalidades, sendo proporcional a aplicação da justa causa em face da negativa de receber a vacina.

Por fim, apenas para salientar, entendemos que a única possibilidade de justificativa para o não recebimento da vacina se daria por intermédio de laudo médico devidamente fundamentado expondo os riscos à saúde, não sendo possível a desincumbência de tal justificativa por mera declaração médica genérica.

*Silmara Lino Rodrigues é fundadora do escritório SLR Advogados Associados. Graduada pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul/SP, com especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE); pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; pós-graduanda em Direito Empresarial e Complice pela EPD – Escola Paulista de Direito; e em Processo Civil pela ESA – Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.

Fonte: Migalhas